Unidade 2.3 - Aspectos Legais e Consequências Jurídicas do Cyberbullying

Unidade 2.3

Parte 1

O fenômeno do Cyberbullying é um assunto sério e precisamos reconhecer que pode ter graves consequências jurídicas tanto para as famílias quanto para os próprios adolescentes envolvidos. Antes de explicar alguns aspectos jurídicos envolvidos nas situações de intimidação e humilhação pública praticadas pelas crianças e adolescentes usando os recursos digitais, vale destacar a noção de proteção integral aos direitos humanos de crianças e adolescentes que amparam o Estatuto da Criança e do Adolescentes no Brasil (E.C.A).

 Videoaula: Leis para prevenção ao Cyberbullying 3:09 min


Como sujeitos de direitos, crianças e adolescentes não podem ser considerados apenas tutelados pelos pais, mas também atores, protagonistas de direitos e deveres. A lei estabelece limites em respeito às diferentes fases de desenvolvimento e prevê uma autonomia relativa que precisa ser mediada e protegida pelos pais, pelo Estado e por toda a sociedade com prioridade absoluta, seguindo o que está previsto no Art. 227 da Constituição Federal. Na perspectiva jurídica, são considerados adolescentes os jovens entre doze e dezessete anos e, segundo o E.C.A, podem ser responsabilizados, junto com os pais, pelos atos praticados quando ferem alguma lei.
Nesse sentido, a Lei nº 13.185 de 2015 que Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) é um grande estímulo para que educadores e pais atuem na educação para uma cultura de respeito e de paz. Em vez de buscar um novo enquadramento jurídico para o Cyberbullying, esta lei institui o dever de implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação para enfrentar o Bullying e o Cyberbullying.

Na SaferNet...

Na SaferNet, nosso trabalho na prevenção e orientação direta às crianças e adolescentes no www.canaldeajuda.org.br busca justamente evitar que o Cyberbullying prolifere. Sensibilizar os alunos sobre os limites das "zoeiras" e as implicações legais dos seus atos na Internet é cada vez mais urgente.
A SaferNet aposta nesse caminho preventivo, conciliando as diretrizes do Programa de Combate à Intimidação Sistemática com o que está previsto no Art. 26 do Marco Civil da Internet sobre a educação para o uso seguro e consciente da Internet.
Oferecendo as informações sobre direitos e deveres e estimulando um uso crítico das tecnologias digitais, apostamos que todas as idades podem desfrutar das oportunidades on-line.


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Parte 2

Vamos conhecer em detalhes o que diz essa lei que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática em todo território Nacional (Lei nº 13.185 de 2015).
A primeira parte da Lei busca definir o fenômeno e estabelecer as bases para as ações preventivas que passam a ser exigidas das instituições escolares e recreativas.
Comentários:
Temos aqui explicitamente um indicativo das possibilidades de essa lei amparar projetos, ações e programas a serem criados pelas Secretarias, dando início ou ampliando as ações específicas.
Ela ainda destaca que a violência contempla agressões físicas e psicológicas também, com suas variações. Isso é muito importante pois, como vimos, diferenciar as brincadeiras de violências é o maior desafio.
O carácter sistemático é um fator decisivo para que haja Cyberbullying. Nas manifestações digitais é mais evidente a violência psicológica dos insultos e intimidações, e a repetição pode tornar a agressão sistemática e ampliar as audiências. Em alguns casos o Cyberbullying é complementar às agressões físicas do Bullying, mas também pode ocorrer sozinho, independentemente das intimidações presenciais.
Comentários:
É importante perceber que a lei deixa bem aberto o tipo de instrumento digital que pode ser usado para praticar o Cyberbullying.
Como vimos, independentemente do meio utilizado, precisamos estar atentos aos danos que podem causar. A cada momento temos novos aplicativos, jogos ou redes sociais sendo usados pelos alunos, por isso a Lei é mais genérica, para que a violência possa ser identificada, mesmo quando praticada por novas tecnologias que ainda não temos como prever.
    •  Art. 3 A intimidação sistemática (bullying) pode ser classificada, conforme as ações praticadas, como:
      I - verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente;
      II - moral: difamar, caluniar, disseminar rumores;
      III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
      IV - social: ignorar, isolar e excluir;
      V - psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar;
      VI - físico: socar, chutar, bater;
      VII - material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem;
      VIII - virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.

    • Art. 4 Constituem objetivos do Programa referido no caput do Art. 1:
      I - prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade;
      II - capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema;
      III - implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação;
      IV - instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores;
      V - dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores;
      VI - integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo;
      VII - promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua;
      VIII - evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil;
      IX - promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.”

    Texto integral da Lei
Comentários Art.3:
Ainda que as ações do Cyberbullying não possam ser diretamente classificadas como intimidação “material” ou “física”, algumas mensagens enviadas on-line podem conter ameaças ou estímulos para que as agressões físicas e materiais aconteçam presencialmente.
Todos os demais aspectos também podem estar presentes em um Cyberbullying, assim como pode haver mais de um tipo de ação nos casos concretos, por exemplo, quando há publicação on-line de mensagens adulteradas de teor sexual, com objetivo de exclusão, ameaça, intimidação e estímulo à violência física.
O aspecto educativo da Lei é muito claro e é um bom estímulo para nossas ações de prevenção também sistemáticas para promover uma cultura de paz.

Comentários Art.4: A Lei prevê ações de discussão, prevenção e intervenção direta para solucionar os casos que acontecem dentro das instituições. Sabemos que as soluções para problemas complexos também são complexas e não são apenas papel das escolas. As ações de conscientização e informação dos próprios alunos e dos familiares são muito importantes justamente para complementar os limites do papel das escolas.
    • Art. 5 É dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática (bullying).
    • Art. 6 Serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos Estados e Municípios para planejamento das ações.
    • Art. 7 Os entes federados poderão firmar convênios e estabelecer parcerias para a implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa instituído por esta Lei.


    Texto integral da Lei
Comentários Arts. 5, 6 e 7:
Todos os educadores e responsáveis por instituições recreativas estão buscando sistematizar suas estratégias de enfrentamento ao problema. Muito antes da instituição do Programa Nacional de Combate à Intimidação Sistemática, diversas ações estavam em curso nas escolas e secretarias de educação. A formalização da Lei torna agora esse empenho no combate e prevenção ao Bullying um dever. Outra novidade importante é a necessidade de elaboração dos relatórios bimestrais para que possa haver planejamento nos Estados e Municípios. A possibilidade de estabelecimento de convênios ajuda a concretizar ações mais amplas. O trabalho que fazemos na SaferNet Brasil, as ações de parceiros como o UNICEF e empresas de tecnologia como o Google podem e devem ser consideradas como parte da parceria necessária para que toda a sociedade some esforços para vencer esse desafio.
    • Art. 12Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
    • IX - promover medidas de conscientização, de prevenção e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas; (Incluído pela Lei nº 13.663, de 2018)
    • X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura de paz nas escolas. (Incluído pela Lei nº 13.663, de 2018)


    Texto integral da Lei
Comentários
A atualização da LDB para contemplar as ações de enfrentamento ao bullying e promover a cultura da paz nas escolas é um sinal para consolidar políticas e programas permanentes.
OBSERVAÇÃO
Vale destacar que a Lei nº 13.277 de 2016 instituiu o dia 7 de abril como o Dia Nacional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola. Uma boa oportunidade para pautar o tema na agenda pedagógica.

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Objetivo
Refletir sobre as repercussões da Lei para enfrentar o Bullying e o Cyberbullying a partir de abordagens educacionais.
Fonte: AVA - SED/SC.

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Parte 3

Apesar de o Programa de Combate à Intimidação Sistemática concentrar os esforços na prevenção e conscientização, isso não significa que as demais leis não tenham efeito sobre os casos concretos de Cyberbullying ou Bullying. Nas situações específicas em que há violência praticada, tanto os adolescentes quanto seus pais podem ser responsabilizados juridicamente. As ameaças, intimidações e demais agressões podem ser associadas a alguns crimes já previstos no Código Penal.
Vejamos uma explicação sobre as consequências jurídicas de casos de Cyberbullying da Procuradora da República Drª Priscila Schreiner do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos do Ministério Público Federal. Logo após, detalharemos outras leis que podem ser acionadas nos casos concretos envolvendo alunos.

Videoaula: Consequências jurídicas da prática de Cyberbullying 11:21 min


Questões


  • 1. Mas se as crianças e os adolescentes não cometem crimes, o que diz a Lei nos casos graves de Cyberbullying?
    Respeitando a condição de pessoa em desenvolvimento, a conduta violenta praticada por adolescentes pode ser considerada Ato Infracional e gerar responsabilização na vara da infância e da juventude.

  • 2. Mas há leis para lidar com o Cyberbullying?
    Muitas situações de Cyberbullying remetem a diferentes tipos penais, condutas previstas em lei e que são consideradas crime quando praticadas por adultos. Por exemplo, um conjunto de comentários e mensagens racistas contra um adolescente em uma rede social na Internet, por exemplo, pode ser relacionado a injúria racial, crime previsto no Art. 140 do Código Penal.
    Ao mesmo tempo, além de ofender diretamente uma pessoa, os conteúdos podem também estar relacionados ao crime de racismo quando ofendem e discriminam uma coletividade. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, o que significa que pode ser denunciado muito tempo depois do fato ocorrido e não permite pagamento de fiança para aliviar a pena.
    Outras situações de Cyberbullying podem envolver o ato infracional equivalente ao crime de Ameaça (Art. 147) ou condutas associadas ao crime de Difamação (Art. 139) quando há ofensa à reputação de alguém com mensagens vexatórias, humilhantes e que ferem a dignidade da pessoa exposta. (Logo abaixo veremos com mais detalhes algumas destas lei).

  • 3. Qual a responsabilidade dos pais?
    Pelo Artigo 932 do Código Civil, os pais são responsáveis pela reparação civil dos danos causados pelos seus filhos.

  • 4. E qual a responsabilidade da escola?
    O E.C.A sinaliza também que os professores, profissionais de saúde ou responsáveis por estabelecimentos têm o dever de comunicar à autoridade competente os casos de que tenham conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.
    As ameaças, intimidações e humilhações provocadas a partir de páginas falsas em redes sociais, comentários em grupos, vídeos ou imagens vexatórios publicados sem autorização e a manipulação de imagens com intuito de ofender um colega da escola, por exemplo, podem trazer sérias implicações para os adolescentes e para os pais.
    Os educadores não podem se omitir quando tomarem conhecimento dos casos. Além de atuar na prevenção, precisam proteger as vítimas e comunicar as famílias quando souberem de casos concretos envolvendo o contexto escolar.

  • 5. E qual a responsabilidade dos alunos?
    Os adolescentes podem ser convocados pelo juizado da infância e juventude e encaminhados para prestar medidas socioeducativas. Os pais podem ser responsabilizados e intimados a pagar indenizações por danos morais que, em alguns casos, já ultrapassaram a quantia de setenta mil reais.


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Parte 4

Para consultar...

Sabemos que muitas vezes é difícil ler e compreender tantas leis, mas vale a pena registrar um resumo daquelas que podem ser acionadas nos casos concretos de Cyberbullying. É sempre bom ter as referência por perto para consultar quando for preciso.
  •  Art. 5- Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

  • Art. 17- O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
  • Art. 18- É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
  • Art. 245- Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.
    •  Art. 932 - São também responsáveis pela reparação civil:
      I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
      II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
    Texto integral da Lei
DOS CRIMES CONTRA A HONRA
    • Calúnia Art. 138- Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
      Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
      § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
      § 2º - É punível a calúnia contra os mortos.

    • Difamação Art. 139- Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
      Pena -  detenção, de três meses a um ano, e multa.

    • Injúria Art. 140- Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
      § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003).
      Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)

    DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL
      •  Constrangimento ilegal Art. 146- Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

      •  Ameaça Art. 147- Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
        Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

      • Texto integral da Lei
Como previsto na Lei que instituiu o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, educadores e gestores precisam atuar tanto na sensibilização quanto no enfrentamento direto dos casos. Isso inclui um conhecimento básico sobre as consequências jurídicas para orientar os alunos e familiares em relação à gravidade desse tipo de violência. Vejamos algumas notícias e informações que ajudam a esclarecer os tipos penais associados às situações mais severas. Debater e refletir criticamente sobre as repercussões jurídicas é uma das formas de conscientizar a comunidade escolar para que todos possam discernir as brincadeiras e "zoeiras" pontuais dos casos de intimidação, ameaça, calúnia e difamação.

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Objetivos
Esclarecer dúvidas sobre as diferenças entre os tipos penais que podem estar relacionados aos casos de Cyberbullying. Explorar reportagens que podem ser utilizadas em atividades com os alunos.

Fonte: AVA - SED/SC.

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